Revista Science lança edição especial sobre microbioma
Artigos discutem como alimentação, estilo de vida e remédios alteram a composição da microbiota intestinal e abordam as terapias inovadoras que colonizam o organismo com micróbios benéficos para equilibrar as populações bacterianas e combater doenças
A edição especial de 29 de abril da revista Science sobre microbioma traz uma série de artigos sobre os muitos modos pelos quais os micróbios, dentro de nosso intestino, influenciam nossa saúde. Os autores dos textos também se debruçam sobre os elementos envolvidos nas dinâmicas dessa complexa comunidade.
Primeiro, dados das duas maiores amostragens existentes sobre o assunto fornecem uma inédita visão do microbioma. Gwen Falony e colaboradores analisaram amostras fecais, parâmetros fisiológicos e enquetes do Belgian Flemish Gut Flora Project e do Dutch LifeLines-Deep Study, assim como de vários outros bancos de dados globais que, coletivamente, representam quase 4.000 pessoas. Suas análises identificaram 664 espécies e 14 grupos principais de bactérias, encontrados em mais de 95% das pessoas. Os pesquisadores fizeram associações sobre a prevalência de alguns desses gêneros com a circunferência do quadril; com a concentração de ácido úrico; com a ingestão de amoxicilina e até com a preferência por determinado tipo de chocolate. Nesse estudo, o fator mais significativo por trás da variação na composição do microbioma foi o uso de drogas como antibióticos, laxantes, remédios para síndrome do intestino irritável, hormônios femininos, benzodiazepínicos, antidepressivos e anti-histamínicos. Por outro lado, alguns eventos ocorridos no começo da vida e que se acreditava afetarem a microbiota na idade adulta – incluindo o método de nascimento (cesárea ou parto normal) e a alimentação na infância (amamentação no peito ou não) – não foram associados com as variações no microbioma intestinal.
O trabalho desenvolvido por Falony e colaboradores reitera a suspeita de que certos micróbios estão relacionados a doenças como colite ulcerativa e câncer colo-retal. Com relação ao atual debate em torno da associação entre a composição do microbioma e o índice de massa corporal (IMC), a conclusão é de que este efeito é pequeno, mas significativo.
Em uma revisão, Alexandra Zhernakova e colaboradores compararam informações de 1.135 participantes para encontrar correlações entre a saúde de uma pessoa, sua dieta e certas espécies de micróbios. Um exemplo é a dieta ocidental, com maior ingestão total de calorias, de carboidratos e leite integral, que foi associada a uma menor diversidade microbiana. O consumo de refrigerantes também teve um efeito negativo na variedade da microbiota, enquanto o consumo de café, chá e vinho tinto foi associado a um enriquecimento da mesma. Os resultados desse estudo ainda confirmam achados anteriores de que o uso de antibióticos provoca o declínio de certas espécies microbianas. Outras categorias de drogas – metformina, estatinas, laxantes e, particularmente, os inibidores da bomba de prótons – também têm um forte efeito sobre o microbioma intestinal. Surpreendentemente, até os ataques cardíacos podem alterar a composição das populações microbianas, já que se constatou que as vítimas de infartos têm uma menor concentração da bactéria Eubacterium eligens.
Em outro artigo, Eric Pamer discute as potenciais terapias baseadas em alterações da microbiota, que podem ser armas importantes no combate a infecções resistentes a antibióticos. Este assunto também está presente no estudo conduzido por Simone Li e colaboradores, que investiga mudanças na dinâmica microbiana ocorridas após um transplante fecal. Esse tipo de procedimento, em que fezes de um doador saudável são transplantadas para o intestino de outra pessoa, tem se mostrado benéfico para o tratamento de uma série de doenças, como a infecção por Clostridium difficile. Ao recolonizar o intestino com micróbios do bem, esses procedimentos ajudam a tratar infecções crônicas, resultantes do uso prolongado de antibióticos de amplo espectro.
A edição ainda aborda o papel da genética humana na composição da microbiota e a relação dessa comunidade microbiana com o sistema imunológico dos mamíferos durante a infância. Finalmente, na seção Perspective, Martin Blaser defende o desenvolvimento de terapias-alvo contra patógenos específicos – em vez do uso de antibióticos de amplo espectro – de modo a minimizar o dano a espécies microbianas simbióticas essenciais, preservar a estrutura da comunidade e assegurar a saúde da microbiota.
Leia mais em:
sciencemag.org Science Magazine, Special Microbiome Issue, 29/04/2016.