Usina do setor sucroalcooleiro: associado à versão convencional do combustível, etanol de segunda geração aumenta a produtividade e reduz custos de produção

Etanol segunda geração

Produção de etanol de segunda geração será tema de simpósio durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Microbiologia

O crescente aumento na eficiência das caldeiras e geradores das destilarias brasileiras permite que haja sobras no bagaço de cana, um subproduto que poderia ser reaproveitado na produção do chamado etanol de segunda geração, em adição à versão convencional desse biocombustível.Além de mais sustentável, essa prática permite aumentar significativamente a produção de etanol do país e diminuir os custos de produção das usinas. A conversão dos resíduos da cana em etanol de segunda geração, entretanto, exige processamento biotecnológico. Marcos Antonio de Morais Junior, professor da Universidade Federal de Pernambuco, falará sobre esse assunto durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Microbiologia, que acontece em Florianópolis entre 18 e 22 de outubro. Nesta entrevista à Micro in foco, ele falou sobre o papel da pesquisa microbiológica no desenvolvimento desse tipo de etanol e sobre os ganhos de produtividade que ele pode gerar para a fabricação de biocombustíveis no Brasil.

Entrevista

Quais as diferenças na produção do etanol de segunda e de primeira geração?

O chamado etanol de primeira geração é produzido a partir da conversão direta, pelas células de leveduras (principalmente <em>Saccharomycescerevisiae</em>), das hexoses livres presentes em diferentes substratos, tais como caldo de cana ou de sorgo sacarino, melaço, xarope de milho ou de mandioca, extrato de beterraba etc. Este é o etanol convencionalmente produzido pelas destilarias há décadas. Já o chamado etanol de segunda geração emprega substratos não-convencionais, que não podem ser convertidos diretamente a etanol pelas leveduras. São substratos que contêm açúcares na forma de polímeros, como é o caso da celulose e da hemicelulose, presentes nos bagaços de cana e sorgo e em raspas e restos de madeiras, e mesmo da pectina presente nos bagaços de frutas. Esses substratos não podem ser utilizados diretamente e devem passar por um processamento prévio de tratamento e hidrólise, para que os açúcares polimerizados sejam liberados na forma de monômeros de hexoses e pentoses. Isto adiciona um custo significativo ao processo produtivo, tornando o etanol de segunda geração ainda mais caro do que o de primeira geração.

Quais as principais aplicações dessa modalidade de biocombustível?

Uma questão muito importante a ser esclarecida é que o etanol de segunda geração não é economicamente sustentável em si, e,por isso, deve estar associado à produção de etanol de primeira geração. O problema de sustentabilidade decorre dos balanços industriais (energético, econômico) e dos custos de produção. As destilarias, por exemplo, produzem sua própria energia elétrica a partir da queima do bagaço, representando imensa e insubstituível economia de custo de produção. Já uma usina que utilizasse o bagaço apenas para produzir etanol teria seu produto fabricado a um custo muito elevado, por ter que comprar energia elétrica das companhias elétricas. Hoje, o aumento na eficiência das caldeiras e dos geradores das destilarias permite uma crescente sobra do bagaço, que poderia ser hidrolisado e convertido a etanol de segunda geração, em adição ao etanol de primeira geração. Isto promoveria um aumento significativo na produção de etanol do país.

Qual o papel da pesquisa microbiológica no desenvolvimento do etanol de segunda geração?

Existem, fundamentalmente, duas demandas microbiológicas importantes para o desenvolvimento tecnológico do etanol de segunda geração. A primeira se refere à identificação e seleção de micro-organismos produtores de enzimas hidrolíticas capazes de converter os polímeros de açúcares (celulose, hemicelulose, pectina) em um xarope rico nos monômeros constituintes. Nesse campo, os principais atores são as bactérias e fungos filamentosos, produtores dessas enzimas extracelulases. Esses micro-organismos podem ser isolados de ambientes onde ocorre intensa degradação de material lignocelulósico, tais como mangues, árvores em decomposição e pilhas de serragem, dentre outros. A segunda demanda, mais direta, se refere à seleção de leveduras fermentadoras a partir das seguintes características: 1) capacidade de fermentação de pentoses (xilose e arabinose) liberadas na hidrólise da hemicelulose, xilanas e arabinogalactanas; 2) alta tolerância aos compostos inibidores (ácido acético, metanol, aldeídos, furfurais, ácidos urônicos) produzidos no pré-tratamento da biomassa; 3) capacidade de permanência nos processos industriais. Esta seleção pode ser realizada por meio da inspeção da biodiversidade em diferentes ecossistemas ou a partir dos procedimentos de engenharia genética e engenharia metabólica de linhagens já estabelecidas, como aquelas fermentadoras de etanol de primeira geração.

Quais são as principais novidades da pesquisa sobre o assunto?

No Brasil, temos vários grupos de pesquisa e consórcios de grupos de pesquisas que estão atuando de maneira muito competente na investigação microbiológica da produção de etanol de segunda geração. A iniciativa do INCT-Bioetanol (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Bioetanol) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sucedendo outras iniciativas também do MCTI, do programa BIOEN de pesquisa e inovação da energia da biomassa da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de são Paulo (FAPESP), além de outras inciativas mais locais, têm reunido grupos e forças em todo o Brasil. Com isso, temos a identificação, clonagem e expressão heteróloga de genes que codificam enzimas hidrolíticas de maneira a produzir leveduras que promovem a hidrólise e fermentação simultâneas da biomassa; a seleção de linhagens fermentadoras de xilose em diferentes biomas do Brasil (dos pampas à Amazônia); a modificação genética das células de <em>Saccharomycescerevisiae</em> para a expansão da capacidade de fermentação de diferentes açúcares e também para a elevação do rendimento metabólico, entre outros avanços. Pode-se assim classificar o Brasil como um países onde a tecnologia para a produção de etanol de segunda geração mais tem avançado no mundo.

Qual o potencial econômico, para o Brasil, da expansão no uso do etanol de segunda geração?

Muito grande. As destilarias estão mais eficientes no processamento da matéria-prima – embora existam diferenças tecnológicas – o que gera uma sobra interessante de bagaço que poderia ser convertido em etanol de segunda geração, sempre em associação ao processo convencional. Além disso, o reaproveitamento das sobras de processamento de madeira da indústria de papel e celulose, das serrarias e das industriais alimentícias que processam biomassa (por exemplo, as de sucos), pode se constituir num importante aporte à produção desse tipo de etanol, desde que equacionados os balanços energéticos e econômicos gerados pela necessidade de transporte dessa matéria-prima da origem até as destilarias.