Microbiologista é homenageada com o Prêmio Claudia

claudia

Pesquisadora da Embrapa foi a vencedora na categoria Ciência e apontada como uma das mulheres que mais contribuem para os avanços da sociedade brasileira com seu trabalho

A microbiologista Mariangela Hungria, de 57 anos, pesquisadora da Embrapa Soja em Londrina, no Paraná, foi a grande vitoriosa da categoria Ciência da 20ª edição do Prêmio Claudia, reconhecimento concedido por uma das mais tradicionais revistas femininas do Brasil às mulheres que mais contribuem, por meio de seu trabalho, para avanços na sociedade. Após ser selecionada entre 100 indicadas, a microbiologista foi escolhida pelo voto popular entre três finalistas, cujo perfil foi publicado na revista. Nele, Mariângela conta que o fator crucial para se tornar a profissional que é hoje foi a decisão de prosseguir com os estudos, após uma gravidez não planejada aos 19 anos de idade. Foi motivada pelo desejo de dar uma vida digna às filhas que a engenheira agrônoma acabou se tornando a maior especialista brasileira em Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN), método que substitui fertilizantes químicos por bactérias capazes de fixar o nitrogênio da atmosfera nas raízes da soja, aumentando sua produtividade e resistência. Além de mais sustentável, o método reduz drasticamente os custos de produção. Com o uso de fertilizantes, o plantio de 1 hectare custa cerca de 750 reais. Com a FBN, o mesmo hectare sai a 5 reais, o que demonstra o enorme potencial econômico da técnica para o Brasil, segundo maior produtor de soja do planeta. O trabalho de Mariangela não gera desenvolvimento apenas para o Brasil. A pesquisadora também é consultora da Fundação Bill e Melinda Gates para projetos de agricultura na África que visam ao aumento da renda dos agricultores locais e ao combate à desnutrição. Mariângela, que recebeu o Prêmio Claudia ao lado de uma das filhas, falou à Micro in Foco sobre a importância desse reconhecimento.

Entrevista

Qual a importância, para uma cientista, do reconhecimento proporcionado por uma premiação não-acadêmica?

Foi uma experiência diferente e muito gratificante. Depois de 35 anos de carreira e apaixonada pelo trabalho, para mim é muito fácil falar da ciência. Mas quando fui comunicada pela revista que estava no processo de seleção, parei para pensar em qual seria a mensagem que eu gostaria de dar para esse público diferente, da mais tradicional revista feminina no Brasil. E a principal mensagem que eu quis passar foi a de que o que aparenta ser um problema na vida pessoal de uma mulher pode se tornar a força que vai fazê-la ir adiante em sua carreira. Eu tive uma ‘gravidez surpresa’ quando estava no segundo ano da faculdade e logo depois uma filha com necessidades especiais. Muitas pessoas falavam que tinham pena de mim, que eu tinha fechado as portas para uma carreira. Mas foi justamente o amor pelas minhas filhas, a necessidade de poder proporcionar um futuro seguro e de querer um mundo melhor para elas que me fizeram focar no trabalho. Com muita sinceridade, digo que foi uma grande surpresa vencer. O conceito de fixação biológica do nitrogênio é mais difícil para a sociedade e as duas outras candidatas eram da área médica, algo que faz parte do nosso dia-a-dia. Então, eu não tinha expectativas, mal acreditei quando me chamaram. Isso nos mostra também que a sociedade já tem uma percepção melhor da importância dos micro-organismos na agricultura, o que me deixou muito feliz. Mas, antes mesmo de saber do resultado, eu já me sentia uma vencedora, porque foi maravilhoso ver alunos e ex-alunos fazendo campanha. Houve mobilização na Embrapa, muita gente escrevendo para mim que estava votando. Foram dias de muitas lágrimas de emoção. Uma experiência linda, emocionante.

Explique brevemente no que consiste a FBN, método no qual a senhora é uma referência.

O nitrogênio é o nutriente requerido em maior quantidade pelas plantas, porque é a base de toda a vida, formando as proteínas. Na agricultura, é fornecido na forma de fertilizantes químicos, que são necessários para altas produções, mas possuem desvantagens. Primeiro, são caros para o agricultor, porque sua síntese requer petróleo para fornecer altas temperaturas e pressões, necessárias para quebrar o nitrogênio atmosférico (N2). Segundo, porque o Brasil importa cerca de 70% dos fertilizantes nitrogenados, com preços em dólar, levando divisas do país. Terceiro, porque o seu uso pelas plantas é pouco eficiente, com perdas médias de 50% nas condições do Brasil. Quarto, porque as perdas resultam em contaminação dos rios, lagos, lençóis freáticos e também resultam em emissão de gases de efeito estufa. Por outro lado, algumas plantas de grande importância econômica para a agricultura brasileira, como a soja, riquíssima em proteínas, o feijoeiro, o feijão-de-corda e várias outras, podem se beneficiar da simbiose entre algumas bactérias específicas e a planta hospedeira. Essas bactérias, denominadas coletivamente de rizóbios, possuem uma enzima, a nitrogenase, capaz de realizar o mesmo processo da síntese química, fornecendo o nitrogênio necessário para o crescimento das plantas. O trabalho em nosso laboratório consiste em selecionar as melhores estirpes, os melhores genótipos de plantas e as melhores tecnologias de uso do processo de fixação biológica do nitrogênio para substituir os fertilizantes nitrogenados, resultando em benefícios para o agricultor e para o meio ambiente.

Como se dá a sua colaboração ao trabalho da Fundação Bill e Melinda Gatesna África?

Na África predomina a monocultura do milho e, como os recursos para a compra dos fertilizantes são muito baixos, os solos ficam cada vez mais pobres. Como isso, a produção é cada vez menor, a disponibilidade de alimentos cai e o círculo de pobreza se aprofunda. Nosso trabalho consiste em introduzir leguminosas que fixam nitrogênio em rotação ou em consórcio com o milho. Os resultados têm mostrado não só que as leguminosas podem ir muito bem e auxiliam a enriquecer a alimentação em proteínas, como também têm ajudado a enriquecer o solo em nitrogênio. É um projeto muito bonito e meu trabalho é no comitê coordenador do projeto. O coordenador e eu somos os únicos microbiologistas, porque os demais cinco membros são melhoristas de plantas, economistas e sociólogos.

O que a motiva a continuar a acreditar na Ciência desenvolvida no Brasil?

Quero ter saúde para pesquisar por muitos anos ainda. Tenho falado que estamos entrando em uma era de micro-revolução verde. Mais do que nunca, vejo espaço para os micro-organismos na agricultura, pois cresce a percepção do benefício que eles podem trazer – econômicos e ambientais. Como exemplo, neste ano de crise em que só vemos números negativos, a comercialização de inoculantes para a agricultura no Brasil cresceu pelo menos 20%. Inclusive, aproveito para fazer um convite para que os leitores desta entrevista participem em uma reunião que será realizada em 2016, abordando vários temas relacionados aos micro-organismos na agricultura, desde a genômica até a indústria. Será um evento com 42 palestrantes de 15 países (http://www.relar2016.com) e que, é claro, conta com o apoio da SBM, sempre presente em temas relacionados à microbiologia agrícola.