Nota da Sociedade Brasileira de Microbiologia sobre o Novo Coronavírus  nCoV – 2019

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Desde a pandemia da gripe espanhola em 1918, que matou entre 40 a 50 milhões de pessoas, tem sido um pesadelo não só para a Organização Mundial de Saúde, mas também para a maioria dos órgãos governamentais  responsáveis pela vigilância em saúde em  todo mundo, cada vez que uma ameaça de epidemia causada por vírus de transmissão respiratória surge em qualquer lugar desse planeta. A mais recente foi a pandemia da gripe causada pelo vírus da influenza H1N1pandêmico em 2009, que teve seu epicentro no México e se espalhou rapidamente e em menos de 1 mês já atingia mais de 3 continentes. Esse medo é plenamente fundamentado pela dificuldade de se conter um vírus cuja  transmissão é respiratória, como é o caso desse Novo Coronavírus ( nCoV-2019).  

O nCoV-2019 se originou na China, emergindo em Dezembro de 2019 e já infectou mais 12 mil pessoas, sendo 132 fora da China e causou mais de 259 mortes na China até o inicio de Fevereiro de 2020. O principal fator de transmissão, com base nos dados atualmente disponíveis, é o grande número de casos sintomáticos, embora a OMS está ciente de uma possível transmissão de nCoV -2019 de pessoas infectadas antes de desenvolverem sintomas.  As pessoas sintomáticas espalharão o vírus mais rapidamente através da tosse e espirros.

No dia 30/01/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do coronavírus como uma emergência de saúde pública global, o que implica uma ação coordenada entre os países. O novo vírus já foi detectado em 23 países e no Brasil, já são mais de 13 os pacientes suspeitos declarados pelo Ministério da Saúde. Os coronavírus são vírus com o material genético de RNA que causam infecções respiratórias de leves a moderadas em seres humanos e animais. Os primeiros coronavírus humanos foram identificados em meados da década de 1960. Até o momento, os tipos de coronavirus conhecidos de transmissão somente de humano para humano são os Alpha coronavírus (229E e NL63) e Beta coronavírus (OC43 e HKU1), e os que emergiram de morcegos para humanos são o SARS-CoV (causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave ou SARS), MERS-CoV (causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio ou MERS) e atualmente o nCoV-2019 (novo tipo de coronavírus, chamado de novo coronavirus).

O conhecimento de que os coronavírus possam emergir de animais silvestres para o homem, como foi o caso deste nCoV-2019 que se originou de morcegos comercializados para consumo em mercados de venda de animais silvestres na cidade chinesa de Wuhan.

O nCoV-2019 infectou originalmente os trabalhadores do mercado pela contaminação das fezes desses morcegos, rapidamente estabelecendo uma transmissão eficiente de pessoa para pessoa. Essa propriedade de transferência de animais para pessoas, advém de eventos anteriores como foi o caso da SARS e da MERS. A chave desse evento é o receptor da célula hospedeira, que é a proteína localizada na superfície das células a qual os vírus se ligam para penetrar na célula e causar infecção. Portanto, se compartilharmos o mesmo receptor de superfície celular que são usados pelos coronavirus em morcegos, camelos ou porcos, existe o risco deste vírus infectar as nossas células e estabelecer uma doença. Para o coronavírus SARS, o receptor da superfície celular é chamado ACE2, a enzima de conversão da angiotensina 2. Compartilhamos esse receptor com os morcegos e o SARS, sendo que o nCoV-2019 usa o mesmo receptor de superfície em morcegos e humanos. Existe uma diversidade muito grande desses vírus [CoV] na natureza. Os pesquisadores têm olhado para os morcegos desde o surto de SARS e se descobriu que existe uma grande diversidade (mais de 50 coronavírus) relacionados à SARS em morcegos.

No Brasil, o laboratório de Virologia no ICB já identificou 15 variedades silvestres de coronavírus em intestinos de oito espécies de morcegos que podem causar problemas, se passarem de animais para as pessoas.

Embora ainda não tenha ocorrido registros de infecções causadas por CoV de morcegos em pessoas em nosso País, mesmo assim temos de ficar alertas e intensificar o monitoramento de vírus emergentes em animais silvestres. O nCoV-2019 causa uma pneumonia severa, potencialmente fatal em pessoas idosas e com saúde debilitada. É um quadro clínico similar ao da SARS e ao da MERS, embora a taxa de mortalidade do nCoV-2019 seja de 2,1% quando comparada com 10% pela SARS e 35% pelo MERS. Os sintomas clínicos (febre, tosse e dificuldade para respirar) são muito semelhantes aos outros vírus respiratórios que circulam normalmente nessa época do ano, em que a transmissão entre pessoas ocorre por gotículas de secreções respiratórias. Isso provavelmente poderá ser um fator de confusão importante a ser considerado em termos de diagnóstico clínico.

A prevenção mais eficiente é sem dúvida o hábito de lavar as mãos e usar álcool gel constantemente e em caso de contato com paciente e/ou amostra clínica o uso de EPIs (luva, avental e máscara) são imprescindíveis. Já existe um diagnóstico por qPCR sensível e específico para a detecção desse vírus em secreção respiratória e a OMS já distribuiu três diferentes protocolos que devem ser utilizados em laboratórios clínicos de diagnóstico.

O nível de biosegurança para se trabalhar com esse vírus é de classe NB2 para diagnóstico molecular e NB3 para isolamento e cultivo viral. Embora o nCoV-2019 esteja se espalhando rapidamente no hemisfério norte, principalmente devido ao inverno e a transmissão desse vírus ser mais eficiente em climas frio, existe a possibilidade do nCoV-2019 não  chegar ao Brasil, como a exemplo da SARS que não chegou, provavelmente pela sua transmissão ter sido dificultada pelas temperaturas altas das regiões tropicais. Uma vez que o nCoV-2019 não possui ainda uma vacina e um tratamento estabelecido, a melhor maneira de prevenção é o diagnóstico rápido dos casos suspeitos.

O Brasil possui uma rede de laboratórios capacitados para esse tipo de diagnóstico que deve ser utilizada de maneira descentralizada, fazendo com que esse diagnóstico chegue o mais rápido possível nas mãos dos médicos e hospitais que estão atendendo esses pacientes para que as medidas de isolamento e contenção da doença sejam efetivas.

Texto:

Prof. Dr. Edison Luiz Durigon
Professor Titular

Laboratório de Virologia
Departamento de Microbiologia
Instituto de Ciências Biomédicas – ICB
Universidade de São Paulo – USP

Para Sociedade Brasileira de Microbiologia – SBM