Projeto do Microbioma Brasileiro promete desvendar a diversidade microbiana nacional e gerar benefícios econômicos

floresta

Vista aérea da floresta Amazônica: estima-se que o Brasil abrigue aproximadamente 20% da diversidade biológica do planeta

Neil Palmer, Flickr/CreativeCommons

Iniciativa poderia resultar na descoberta de micro-organismos de interesse comercial, empregados, por exemplo, na degradação de poluentes, na síntese de biocombustíveis e na produção de novos remédios

No fim de outubro, as revistas Science e Nature, dois dos principais periódicos de divulgação científica do mundo publicaram,simultaneamente, chamados para a criação de iniciativas visando a decifrar e explorar os microbiomas, isto é, diferentes habitats (plantas, águas, solos, animais, humanos etc), incluindo os micro-organismos (bactérias, arqueias, fungos e vírus), seus genomas e as condições ambientais que os envolvem. No caso da revista Science, propôs-se o lançamento da Unified Microbiome Initiative (UMI) –um ambicioso esforço de pesquisa envolvendo 48 cientistas de 50 instituições dos Estados Unidos. Na Nature, a proposta foi pela implantação da International Microbiome Initiative (IMI), rede internacional de pesquisa apoiada por agências e fundações patrocinadoras de todo o mundo, de modo a assegurar o compartilhamento de informações sobre os microbiomas além das fronteiras e disciplinas, e a trazer coesão a uma multiplicidade de iniciativas em torno da pesquisa da diversidade microbiológica em todo o planeta. O objetivo dessas duas propostas é mobilizar esforços para gerar conhecimento e acelerar o desenvolvimento de soluções biotecnológicas que beneficiem a agricultura, a saúde humana, a produção de bioenergias e o meio ambiente.

No Brasil, uma iniciativa similar busca coletar e reunir informações sobre a estruturação das comunidades microbianas – do ponto de vista funcional e genético. Trata-se do Projeto do Microbioma Brasileiro (BMP, na sigla em inglês), que pretende coordenar e padronizar os diversos projetos nacionais de levantamento de dados dos microbiomas. “No país, existem vários grupos de pesquisadores explorando a biodiversidade microbiana. Esses trabalhos têm objetivado o estudo do metagenoma em ambientes tão variados como a Antártica, a caatinga, a Amazônia, ilhas oceânicas, mares, oceanos e mangues, e de micro-organismos associados a animais e humanos, entre outros. Porém, a falta de padronização e o desconhecimento da comunidade científica sobre o conjunto desses esforços impossibilita estudos comparativos, além de levar à redundância de propostas”, afirma Victor Pylro, um dos fundadores do BMP e membro do Grupo de Genômica e Biologia Computacional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte.

Estima-se que o Brasil abrigue aproximadamente 20% da diversidade biológica do planeta, o que o coloca entre os 17 países que concentram 70% das espécies animais e vegetais catalogadas e o alça ao patamar de um dos territórios mais mega diversos do mundo. Já o patrimônio microbiano brasileiro, apesar de sua importância, ainda é largamente desconhecido. Para os pesquisadores envolvidos no BMP – oriundos de instituições como USP, UFRJ, FIOCRUZ, EMBRAPA, UNIPAMPA, entre outras – alguns dos possíveis benefícios estratégicos e econômicos resultantes de um maior conhecimento sobre os microbiomas do país seriam o desenvolvimento científico e tecnológico associados à descoberta de micro-organismos de interesse comercial, empregados, por exemplo, na degradação de poluentes, na síntese de biocombustíveis e na produção de novos remédios. “Além disso, para proteger a dinâmica dos ecossistemas e gerenciar de forma sustentável o uso da terra, é crucial conhecer a diversidade biológica e funcional do sistema”, afirmam pesquisadores do BMP no artigo Brazilian Microbiome Project: Revealing the Unexplored Microbial Diversity — Challenges and Prospects, publicado em 2014 na revista Microbial Ecology.

Tecnologia

Avanços recentes nos procedimentos para extração de DNA/RNA, o sequenciamento de última geração e a metagenômica, entre outros, têm permitido análises comparativas da diversidade, abundância e de genes importantes dos ecossistemas e das comunidades microbianas num nível de profundidade antes impossível. “Graças a esses avanços recentes, acreditamos que há uma grande oportunidade de estudar o microbioma brasileiro usando o estado-da-arte em metodologias moleculares, em conjunto com análises mais convencionais”, afirmam os autores do artigo publicado na Microbial Ecology.

Por isso, os criadores do BMP trabalham hoje no desenvolvimento e aperfeiçoamento de ferramentas amigáveis de análise de dados de microbiomas, disponíveis de forma gratuita e com suporte, que já são utilizadas por pesquisadores de mais de 90 países. “O objetivo é organizar as informações já existentes e as que vierem a ser produzidas em outros projetos, além de padronizar métodos de amostragem e análises de dados sobre microbiomas”, diz Victor Pylro.

Integração e comparação

A centralização dos dados de diferentes iniciativas de pesquisa dos microbiomas no BMP servirá a alguns objetivos, como reunir e comparar informações coletadas em estudos relacionados a todos a todos os microbiomas baseados no Brasil; avaliar os métodos utilizados até agora em cada estudo; testar as técnicas selecionadas mediante o uso de amostras verdadeiras; padronizar métodos de análise de dados do BMP, além de implementar, monitorar e ajustar um banco de dados do microbioma nacional. A integração dessa ferramenta com outros consórcios existentes, como o Earth Microbiome Project ou a Unified Microbiome Initiative, permitirá a comparação dos diversos microbiomas brasileiros com outros ao redor do mundo, para identificar semelhanças e diferenças. Para Victor Pylro, os cientistas que colaboram com essas iniciativas também ganham. “Diferentes pesquisadores trabalhando em assuntos correlatos terão a possibilidade de agregar todos os dados e obter uma visão geral sobre aquele assunto”, diz ele. “Outro ponto é o acesso a informação e novas tecnologias, que se torna muito mais fácil por meio de redes colaborativas”, acrescenta.

Um dos passos mais recentes do BMP foi a proposta de criação de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, o INCT: Microbioma, cuja missão será desenvolver pesquisas prioritárias para esse campo de estudos, visando ao desenvolvimento tecnológico e científico. Para isso, a proposta do órgão – que hoje conta com a participação de 26 pesquisadores de 16 instituições de ensino e pesquisa de todo o Brasil, parceiros de 18 instituições internacionais e quatro empresas nacionais e multinacionais – realizará convocações para a produção de trabalhos em temas específicos. Para os cientistas da área, o BMP leva vantagem em relação a outras iniciativas globais de pesquisa dos microbiomas, como a UMI, por ter iniciado suas atividades ainda em 2012. Eles apostam numa série de benefícios – econômicos e estratégicos — decorrentes do aprofundamento do conhecimento microbiológico no Brasil. “O país só tem a ganhar com um maior conhecimento sobre as espécies-chaves para o funcionamento dos ecossistemas e as aplicações desses micro-organismos e seus produtos em biorremediação, na recuperação de áreas degradadas, no tratamento de efluentes, nas indústrias, em biotecnologia, na agricultura, na medicina, produção de biocombustíveis etc”, afirma Vânia Melo, do Laboratório de Ecologia Microbiana e Biotecnologia da Universidade Federal do Ceará. “O diálogo mais fácil entre os membros do consórcio e a compreensão das peculiaridades ambientais e da mega diversidade de um país de dimensões continentais como o nosso são fundamentais para colocarmos os micro-organismos no mapa do Brasil”, diz ela.