Manipulação do microbioma poderia curar doenças e aumentar produtividade do solo

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Projeto do Microbioma Humano: mapeamento genético dos micro-organismos que habitam o corpo humano impulsionou pesquisas sobre a manipulação terapêutica da microbiota.

Crédito: Divulgação/Nature

Em 2012,o Projeto do Microbioma Humano – coordenado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, com a participação de 80 instituições de pesquisa – realizou o mapeamento genético das quase 10.000 espécies debactérias, vírus e fungos que habitam o corpo humano.  A partir da análise de amostras retiradas de 18 partes do corpo de 242 voluntários saudáveis, os cientistas buscaram definir a composição do microbioma humano normal. Essa iniciativa serviu de impulso para uma série de pesquisas que estudam como a manipulação de comunidades microbianas – em indivíduos ou ambientes – poderia ser usada para curar doenças, aumentar a produtividade do solo e até reequilibrar o ecossistema de áreas poluídas. Lucas William Mendes, pós-doutorando do Netherlands Institute of Ecology (NIOO/KNAW), na Holanda, e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP (CENA/USP), abordará esse assunto durante mesa-redonda sobre O Papel dos Micro-Organismos no Funcionamento dos Ecossistemas. Nesta entrevista, ele falou à Micro in foco sobre o potencial desta linha de pesquisas.

Entrevista

No que se constitui o core de um microbioma? Qual a importância dele para o equilíbrio de um ecossistema?

Um microbioma pode ser definido como o conjunto de comunidades de micro-organismos, seus genomas e interações num determinado ambiente. O core microbiano é um grupo mínimo de micro-organismos presentes em todos os indivíduos de uma espécie (ou ambiente), sendo essenciais para o bom funcionamento do mesmo. Por exemplo, para se definir o core microbiano de pessoas saudáveis, procura-se por espécies de micro-organismos que são compartilhadas entre todos os indivíduos analisados. Portanto, a comunidade microbiana que constitui esse core participa de funções fundamentais para a manutenção do equilíbrio e funcionamento do ambiente em que vive, seja este um solo, uma planta, um animal ou até mesmo o corpo humano. Assim, um desequilíbrio no core microbiano afetaria funções específicas no corpo humano ou no ambiente.

Quais as possíveis aplicações da manipulação da microbiota?

Muitos estudos têm mostrado resultados promissores com relação à manipulação da microbiota para promoção de benefícios para a saúde e meio ambiente. Em humanos, o microbioma contribui significativamente para o metabolismo e fornece funções que os indivíduos não precisam desempenhar por conta própria. Estudos mostraram que um desequilíbrio no microbioma humano pode gerar problemas em funções específicas, como obtenção de energia, obesidade e processos inflamatórios. Em plantas, micro-organismos específicos presentes na rizosfera (solo em contato com as raízes das plantas) estão relacionados à proteção contra infecções por fungos patogênicos. Assim, tanto em humanos como em plantas, tem-se interesse em definir e caracterizar o microbioma saudável, para então ser possível o desenvolvimento de terapias com o intuito de tornar saudável um microbioma doentio. Um exemplo clássico é um estudo realizado com ratos, onde foi mostrado que ratos magros e obesos possuem um microbioma diferente. Manipular a composição da microbiota intestinal fez com que os animais magros ganhassem peso e se tornassem obesos. Já na agricultura, esse conhecimento poderia ser transformado em novos produtos, que melhoram a produção vegetal e combatem doenças, sem a necessidade de fertilizantes químicos ou fungicidas.

Quais as revelações mais promissoras dessa linha de pesquisa?

O que temos aprendido com as pesquisas em ecologia microbiana é que somos totalmente dependentes dos micro-organismos. Avanços na área da medicina têm revelado como os seres humanos dependem do seu microbioma para diversas funções. De forma similar, o microbioma de outros organismos desempenha papel fundamental na saúde, doença, crescimento e desenvolvimento do seu hospedeiro. O desafio é entender os mecanismos por trás dessas interações para então usar esse conhecimento para manipular o microbioma de forma benéfica, gerando novas terapias para a cura de doenças e auxiliando na produção agrícola e para um uso mais sustentável do meio ambiente.